As convenções podem ser a nossa maior prisão

Quais valores sociais e materiais você indeliberadamente já aceitou?

O consumismo, a busca incansável por sucesso profissional, a adesão a padrões de beleza inatingíveis, a dependência da tecnologia, a pressão por perfeição e competitividade, a necessidade de segurança financeira e o conformismo social, são alguns exemplos desses valores que, você aceite ou não, moldam profundamente nossas vidas.

Estes frequentemente nos conduzem a um ciclo de trabalho e consumo incessante, onde a autenticidade e a satisfação pessoal são sacrificadas em nome do que é socialmente aceito ou considerado bem-sucedido.

Até que ponto estamos vivendo de acordo com nossos verdadeiros desejos e valores, ou simplesmente seguindo um caminho definido pela sociedade?

A fim de me aprofundar em tais questionamentos, escolhi a dedo o livro Na Natureza Selvagem (Into the Wild), de Jon Krakauker como minha primeira leitura desse ano. Aqui conhecemos a dramática história de um jovem aventureiro: Chris MacCandless.

Apesar da obra como um todo ter me tocado profundamente, há um trecho bem especifico ao qual me sinto na obrigação de compartilhar. Mas antes, o contexto abaixo é extremamente importante:

Ron, um sujeito que sofreu uma grande perda, acaba se apagando muito a Chris durante sua estadia na região. Ron então faz uma oferta a ele:

“Minha mãe era filha única. Meu pai também. E eu fui o único filho deles. Agora que meu menino está morto, sou o fim da linha. Quando eu me for, minha família vai acabar, para sempre. Então pedi a Chris se eu podia adotá-lo, se ele seria meu neto”.

McCandless, pouco à vontade com o pedido, esquivou-se: “Fala-remos disso quando eu voltar do Alasca, Ron”.

O fragmento abaixo é um dos se não o texto que considero mais importante de todo o livro. Trata-se de uma carta que Chris envia a Ron quando chega em Cartago, Dakota do Sul.

(…) Ron, eu realmente gostei de toda a ajuda que você me deu e do tempo que passamos juntos. Espero que não fique muito deprimido com nossa separação. Pode levar um bom tempo até que a gente se veja de novo. Mas desde que eu saia inteiro desse negócio do Alasca você terá notícias minhas no futuro. Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria realmente promover uma mudança radical em seu esti­lo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar.

Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espíri­to, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem que um futuro seguro. A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências e, portanto, não há alegria maior que ter um horizonte sempre cambiante, cada dia com um novo e diferente Sol.

Se você quer mais de sua vida, Ron, deve abandonar sua tendência à segurança monótona e adotar um estilo de vida confuso que, de inicio, vai parecer maluco para você. Mas depois que se acostumar a tal vida verá seu sentido pleno e sua beleza incrível.

Em resumo, Ron, saia de Salton City e caia na estrada. Garanto que ficará muito contente em fazer isso. Mas temo que você ignore meu conselho. Você acha que eu sou teimoso, mas você é ainda mais teimoso do que eu. Você tinha uma chance mara­vilhosa quando voltou da visita a uma das maiores vistas da Terra, o Grand Canyon, algo que todo americano deveria apreciar pelo menos uma vez na vida. Mas, por alguma razão incompreensível para mim, você só que­ria voltar correndo para casa, direto para a mesma situação que vê dia após dia. Temo que você seguirá essa mesma tendência no futu­ro e assim deixará de descobrir todas as coisas maravilhosas que Deus colocou em torno de nós para descobrir.

Não se acomode nem fique sen­tado em um único lugar. Mova-se, seja nômade, faça de cada dia um novo horizonte. Você ainda vai viver muito tempo, Ron, e será uma vergonha se não aproveitar a oportunidade para revolucionar sua vida e entrar num reino inteiramente novo de experiências.

Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principal­mente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo e em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de dar as costas para nosso estilo de vida habitual e nos comprometer com um modo de viver não convencional.

O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa em volta para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está sim­plesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é você mesmo e sua teimosia em não entrar em novas situações. […]

Você verá coisas e conhecerá pessoas e há muito a aprender com elas. Deve fazer isso no estilo econômico, sem motéis, cozinhando sua comida como regra geral, gastando o menos que puder e vai gostar imensamen­te disso. Espero que na próxima vez que o encontrar você seja um homem novo, com uma grande quantidade de novas aventuras e experiências na bagagem. Não hesite nem se permita dar desculpas. Simplesmente saia e faça isso. Simplesmente saia e faça isso. Você ficará muito, muito con­tente por ter feito.”

carta de Chris McCandless para Ron Franz.

Gosto de pensar que essa carta não é apenas uma mensagem para Ron, mas uma mensagem que talvez ele gostaria de falar para mais pessoas. E, talvez, possa ser tão importante para você como foi para mim.

Apesar de ter gostado muito do livro, esse é um dos poucos casos em que considero o filme tão bom quanto a obra original. E não poderia ser uma pessoa melhor que Eddie Vedder para compor a trilha sonora da longa.

O livro está disponível para venda na Amazon e entra em promoção regularmente. Já o filme de 2007 está disponível para assistir via aluguel no Prime Video, Google TV e Apple TV.

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